terça-feira, 10 de agosto de 2010

Comentários sobre "Os atos de fingir", de W. Iser

ISER, Wolfgang. Os atos de fingir ou o que é fictício no texto ficcional. In: LIMA. Luiz Costa (org). Teoria da literatura em suas fontes. Vol. 2. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.


Publicado, no Brasil, originalmente em 1996, este artigo de Wolfgang Iser centra fundamentalmente sua discussão em como é produzido o fictício, a partir da interação do imaginário e com o real, por meio do que ele chama de atos de fingir.


Contrário ao repertório da sociologia do conhecimento, que defende um “saber tácito” em relação às definições de realidade e ficção, Iser aponta para a presença de elementos do real no texto ficcional e sugere uma relação ternária oposicionalmente calcada no modelo sociológico acima descrito.

A abordagem do tema fundada na tríade real, fictício e imaginário permitiu também ao autor citar como até mesmo as bases da história da teoria do conhecimento são ficções, realçando sua tese inicial e trazendo à baila a discussão de como e qual realidade aparece na ficção, detalhando os atos de fingir envolvidos com propriedade.

Divido em quatro partes, o artigo de Iser, em sua primeira fração, diverge das determinações ontológicas de realidade e ficção. Para o autor, o que estabelece a relação entre estes dois pontos é o imaginário, “através dos atos de fingir que transgridem os limites de uma e outra e do próprio imaginário” (CASTRO, p. 03).

O papel dos atos de fingir é, dessa forma, promover a repetição da realidade vivencial no texto. “Se o fingir não pode ser deduzido da realidade repetida, nele então surge um imaginário que se relaciona com a realidade retomada pelo texto” (ISER, p. 958). Esta, por sua vez, quando é repetida, se transforma em signo. Isso é a transgressão de limites que Iser conceitua, a qual reitera sua posição em relação às definições ontológicas já descritas.

Segundo o teórico, a única maneira de vivenciar o fictício e o imaginário é através da interação entre eles, pois ambos constituem fabricações vinculadas às disposições humanas. Embora percebido como algo difuso e espontâneo, o imaginário é realizado pela ficção, que, por sua vez, irrealiza a realidade extra-textual no texto. Partindo deste pressuposto, Iser explica como a realidade entra nos textos ficcionais.

A segunda parte volta-se para o ato de fingir que ele denomina seleção, técnica em que o autor da obra recorta, sem prévias regras, elementos da realidade extra-textual que serão usados na ficção. Mas não se trata de cópia, pois esses elementos selecionados funcionam de acordo com o imaginário, alterando a visão do todo tanto do texto como da realidade. A transgressão surge da “irrealização das realidades que são incluídas no texto” (ISER, p. 962). A seleção, portanto, aparece como uma figura de transição entre o real e o imaginário.

Dentro do texto de ficção, os elementos transgredidos continuam o processo de seleção e transgressão ao se organizarem e são reconfigurados pelo imaginário por meio do que Iser chama de combinação, na terceira parte. Tanto a seleção quanto a combinação referenciam, em vista disso, a transgressão de limites entre texto e contexto.

Na quarta parte, Iser explica que, embora os atos de fingir selecionem partes do real que serão representados nos textos e façam com que, por meio da combinação, eles transgridam seu significado literal, os textos só podem ser reconhecidos como ficcionais a partir de “convenções determinadas, historicamente variadas, de que o autor e o público compartilham [...] como ‘discurso encenado” (ISER, p.970). Este contrato estabelecido entre autor e leitor é denominado desnudamento da ficção.

Nada há no texto que o identifique como ficcional. A realidade delineada no texto ficcional, como visto, não deve ser entendida como a realidade extra-textual. Ela se refere a algo que não é mais, mas é como se fosse parte do mundo empírico. O ato de fingir como se causa reações sobre o mundo em sua recepção, ao irrealizar o mundo do texto, criando contrastes e perspectivas.

A quarta parte do artigo de Iser parece sugerir uma quinta divisão, em que resume suas idéias fundamentais e ratifica sua tese de que os atos de fingir são atos de transgressão da tríade real, imaginário e ficção.

Em cada estágio, ocorre uma determinada irrealização da faticidade real: na seleção, a do contexto, na combinação, a da relação dos campos semânticos entre si, no desnudamento, a da orientação natural quanto ao mundo representado do como se e, nos receptores, a de sua experiência habitual, pelo caráter de acontecimento de sua reação ao mundo textual. (ISER, p. 982)

Embora o autor faça um resumo bastante claro de suas idéias no segundo momento da quarta parte, a leitura do artigo parece sugerir conhecimentos sobre a noção de “sujeito”, pois, embora o foco de seu trabalho sejam os atos de fingir, o leitor e o trabalho desempenhado pelo autor funcionam como princípios de orientação da teoria de Iser.

Ainda que leitor e autor não sejam os detentores do imaginário, este é compartilhado por aqueles. A própria experiência de recepção, que apenas subjaz a discussão do como se e da intenção do texto, revela como o texto ficcional pode ser percebido de diferentes formas pelos sujeitos.

O artigo de Iser pode parecer banal em alguns momentos. Ao ler sobre a combinação e o como se, o leitor desatento poderá entender a estratégia como uma releitura dos conceitos de verossimilhança interna e externa, o segundo ato de fingir estabelece o arranjo de recortes da realidade de modo que façam sentido e o último se refere ao fato de o mundo ficcional construído parecer real.

Os processos definidos por Iser, na verdade, são possivelmente mais bem elaborados, não somente por superar a idéia simplista de imitação e apresentar um modelo de construção de mundo ficcional, mas também por desenvolver um modelo capaz de abarcar outras formas de mundos produzidos pela ficção, como aqueles ditos impossíveis na realidade objetiva.



Trabalhos consultados


CANCIAN, Juliana R.. Fictício e imaginário no romance sem nome: episódios da literatura e da vida real. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais. Maringá, 2009, p. 537-548.


CASTRO, Sandra de Pádua. O imaginário na construção da realidade e do texto ficcional. Línguas & Letras – Literatura e Vida Cultural: memória, arte e mídia. [s/l], p. 107-115, 2008.


SANTIAGO, Márcio. Ficção e imaginação. Disponível em: Falta buscar o link Acesso em: 23 de junho de 2010

2 comentários:

  1. Olá, Nayara.

    Salvei esses textos teus para ler com mais cuidado. Conheces Eagleton? Bauman veio antes ou depois de Piercy?

    A propósito, como estás, com que te ocupas, que tens produzido? Maceió ou Recife? Férias?

    Desculpa pela mesóclise e pelo excesso de interrogações!

    Boa semana.

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  2. Não salve! Eles estão ruins, auhahu... Depois, se vc quiser, eu te envio com as alterações, ok? Publiquei o ruinzinho pq não besta, ahuahu... POsso até compartilhar, mas nem tudo deve ser dito assim, de graça, né?

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