segunda-feira, 20 de julho de 2015

Conheça meu amigo, Bolo de Chocolate.


Às vezes, a gente fica assim: sai andando sem destino, procurando um não-sei-o-quê e acaba se encontrando numa padaria e compra uma fatia de bolo de chocolate. Por alguns instantes, parece que o bolo se comunica com você e todas as frustrações vão embora.

Foi exatamente assim que me senti hoje à tarde. O problema é que eu nunca consigo comer a fatia monstra toda sozinha, ou seja, nunca engulo a angústia toda... Sempre fica um pedaço no prato! Daí eu acabo fitando aquele prato lambuzado de brigadeiro com alguns pedaços jogados...

O lado não tão triste é que eu sei que existem muitas pessoas na mesma situação que eu. Em algum lugar por aí, há alguém andando meio sem destino, olhando a praia ou o trânsito e parando numa padaria ou doçaria para pedir um bolo de chocolate. Para esses que dividem comigo esse sentimento de ser entendido por uma bolo de chocolate: um abraço!

CAPÍTULO 3: O bolo de tapioca

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BOLO DE TAPIOCA
INGREDIENTES:
200g de manteiga
2 copos de açúcar
4 ovos
1 copo de farinha de trigo
1 garrafinha de leite de coco
A mesma medida de leite comum
1 colher de sopa de fermento
2 copos de farinha de tapioca
MODO DE PREPARO (como eu procedi):
Numa tigela, eu coloquei 200g de margarina e misturei dois copos de açúcar. Depois eu pus os 4 ovos e a farinha de trigo peneirada. Acrescentei 200 ml de leite de coco e peneirei a massa de tapioca por cima. No fim, eu coloquei o leite de vaca.
RESULTADO (em fotos):
1 Misturando os ingredientes

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Gazilionésima primeira postagem

Em tempos de tantos NÃOs, eu resolvi que quero começar esta postagem com um SIM - ou melhor, quero começar com alguns SIMs:

- Sim, eu pretendo me aventurar pelo mundo da escrita novamente;
- Sim, eu quero começar outros e novos e estimulantes projetos;
- Sim, eu quero ler mais;
- Sim, eu quero aprender mais;
- Sim, eu quero dividir um pouco (muito!!) das coisas legais que me aparecem pelo caminho.

Passaram-se alguns anos desde que resolvi ter um blog. A razão era simples: eu estava cansada de ter tão pouca gente interessada nas minhas leituras - eu queria encontrar alguéns com interesses em comum. Daí alguém gostou do que eu escrevia sobre Jane Austen, alguns textos foram úteis para outro alguém por aí e... B A N G ! ! Porém cá estou eu trilhando estradas de antes, mas que também podem ser de hoje.

Às vezes, a gente dá com cara na porta e também vem a necessidade de traçar novos caminhos e desenhar novos mapas. Assim o fiz, em parte por necessidade, em parte por falta de alternativa. Então, a você que, por ventura, encontrar e ler esta mensagem (pretensamente a primeira de outras SOBRE as leituras que me afagam, os filmes que me fazem companhia, as músicas que me cativam e as atividades em que me engajo para dar vazão ao que fica aqui dentro, sem tomar forma, mas que me apavora, entedia, excita e impulsiona), acho que é isso. Acho que este blog é sobre continuar a buscar por razões para alimentar muitos SIMs.

O que você me diz?

domingo, 13 de março de 2011

REPRESENTAÇÕES DO CORPO E DO ESPAÇO EM BODY OF GLASS, DE MARGE PIERCY [1]

Para citações: MACENA-GOMES, Nayara. Representações do corpo e do espaço em Body of Glass, de Marge Piercy. In: II Seminário Nacional Literatura e Cultura, vol. 2, 2010,  São Cristóvão: GELIC, 2010. ISSN 2175-4128

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Why should our bodies end at the skin, or include at best

other beings encapsulated by skin? (HARAWAY, 1991, p.

178)

     Com o objetivo de analisar a relação entre as representações do corpo e do espaço no romance Body of Glass (1992) [2], de Marge Piercy, enquanto artefatos produzidos sócioculturalmente, o presente trabalho observa como esses elementos e o vínculo estabelecido com o conceito de gênero revelam possibilidades utópicas, observando e analisando também o debate entre as ciência biológicas e as sociais a respeito da importância da natureza e da cultura.

     Embora as ciências humanas reforcem o fato de o ser humano se diferenciar dos outros seres por estar ligado à cultura, construindo o mundo ao seu redor e sendo construído por ele, as ciências evolutivas ainda defendem o determinismo biológico. Dessa forma, o recorte para análise justifica-se pelo fato de as noções de espaço e gênero ainda serem, muitas vezes, associadas a binarismos baseados em hierarquias que privilegiam um pólo em detrimento do outro, como no par natureza/cultura.

     Este trabalho perpassa os campos dos estudos de gênero e da utopia, possibilitando mostrar como a ficção utópica contemporânea de autoria feminina tem renovado o gênero

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utópico tradicional em relação às formas narrativas e suscitado debates acerca, por exemplo, das estratégias adotadas por essas escritoras para subverter as convenções de gênero utópico e da ficção científica, como a representação de mulheres apenas como coadjuvantes e, até mesmo, objetos de estudo dentro de uma visão masculina de mundo e de ciência, o que reflete a postura patriarcal e reforça noções dualistas.

     Neste contexto, a análise das relações entre as representações do corpo, gênero e do espaço justifica-se pelo fato de os conceitos desses elementos serem construídos e rpresentados dentro da cultura. Entendê-los fora do contexto cultural resultaria no desaparecimento de gênero e em “um corpo ontologicamente vazio, um obstáculo ao conhecimento de mundo, um acessório acidental” (ZOZZOLI, 2005, p. 53).

     O estudo dos espaços, por sua vez, revela-se importante para a investigação das utopias e distopias devido às recorrentes definições que englobam a etimologia da palavra, as quais entendem que a utopia encontra-se fora da nossa área e/ou nosso tempo. Além disso, assim como os conceitos de corpo e gênero, as concepções acerca do espaço também são filtradas pela cultura, devendo ser percebido como “um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento” (SANTOS, 1988, p. 10).

     Etimologicamente, a definição de utopia aponta para uma presumida negação – o sufixo ou (não) ligado a topos (lugar) – faz referência a um espaço que não existe e “instaura uma dimensão temporal alternativa, que repousa e se legitima numa determinada noção de futuro” (CAVALCANTI; CORDIVIOLA, 2006, p. 09).

     Porém, popularmente, a utopia tem sido definida como algo impossível ou difícil de ser alcançado e foi apresentada ao público, pela primeira vez, com o lançamento da obra de Thomas More em 1516, a qual inaugura o gênero literário que descreve uma sociedade ideal num lugar imaginário, onde tudo é bem planejado, quase sempre hierarquicamente.

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     Dentro desse tipo de utopia, porém, o papel da mulher foi sempre o mesmo, o que, historicamente, a transformou em cidadão de distopias. Como resultado, as recentes ficções científicas projetam horizontes utópicos em narrativas distópicas produzidas a partir de formas resistentes e oposicionais de escrita.

     As utopias de autoria feminina, por sua vez, projetam sociedades que costumam ser mais abertas e anárquicas, tendendo a mostrar preocupações com o trabalho diário da sociedade, o qual deve ser tão valorizado quanto aqueles carregados de prestígio.

     O aspecto utópico da ficção científica de autoria feminina revela-se, assim, não somente preocupado com a presença do sujeito feminino na ciência, estabelecendo parcerias no lugar de relações de dominação que anulam a subjetividade, mas também com outras dimensões sociais envolvidas, como a efetiva participação na esfera pública (PIERCY, 2003).

     Apesar de parecem campos de conhecimento distintos e destacados um do outro, existe, como afirma Goodwin (1990), “uma longa história de afinidade entre eles” (p. 01) [3]. O discurso utópico sempre constituiu um modo narrativo de formas que produzam situações ideais.

     A definição de feminismo de Goodwin propõe o beneficiamento da comunidade humana. Observa-se, assim, a inclinação do feminismo para a utopia, que encontra nas ficções científicas um campo profícuo para realidades originais e novas possibilidades de leitura.

     Neste contexto, o romance de Marge Piercy desenha espaços híbridos complementares e personagens que refutam aquelas noções dualistas a que grande parte das feministas se opõe. Sem se fechar num modelo único de utopia, Body of Glass sugere

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possibilidades para a construção de um espaço melhor e reitera compreensões de utopia enquanto

Gênero tradicionalmente associado a lacunas: entre o que nós temos e o

que gostaríamos de ter; entre o que gostaríamos de ter e o que o outro

prefere; entre nosso medo de possibilidades e as palavras que encontramos

para construí-las (GOODWIN; FALK JONES, 1990, p. IX).

     A narrativa de Body of Glass explora justamente essas lacunas e permite a leitura de “entre-lugares” [4] e formas de perceber o corpo, em que as fronteiras do natural e do artificial se confundem. As alterações tecnológicas representadas no romance constroem sociedades que se diferenciam no tocante à ordenação e as espacialidades, cujas formas mais rígidas são desestabilizadas por grupos ligados a espaços de resistência.

     Configurado como uma obra de ficção científica com dimensões que transitam entre o distópico e o utópico, que não nos permite acesso, o romance em questão tece espacialidades e metáforas para focalizar relações de poder desequilibradas, sem deixar de oferecer alternativas subversivas, conforme observo a seguir.

     Com forte influência pós-moderna, a estrutura de Body of Glass é composta por duas narrativas: a primeira parte, com elementos de ficção científica, é narrada em terceira pessoa e se passa na segunda metade do século XXI. O lugar é Norika e corresponde aos atuais territórios do Canadá e dos Estados Unidos. Esta vasta região tornou-se um ambiente tóxico, com vários domos controlados por multinacionais, como a Yakamura-Stichen, as quais substituíram as formas de governo dos nossos dias.

     Fora desses domos, a sobrevivência seria praticamente impossível, uma vez que a camada de ozônio desapareceu, os arrozais e trigais do mundo foram cobertos pelo oceano ou viraram desertos e as pessoas poderiam ser atacadas por traficantes de órgãos. A maior

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parte da população vive nas chamadas Glops, áreas extremamente poluídas onde as pessoas vivem de lixo reciclado. Entretanto, existem algumas cidades livres do controle das multi por se localizarem em zonas instáveis e, por isso, não interessam aos grandes grupos corporativos.

     Nesta narrativa, os principais eventos são: a perda da custódia do filho (Ari) da protagonista Shira para o ex-marido Josh (fato que mais tarde se revel como uma conspiração contra a personagem e sua cidade natal), sua volta para Tikva, a socialização do ciborgue Yod e o relacionamento estabelecido com Shira, o seqüestro de Ari e o relacionamento afetuoso entre o menino e Yod, a destruição do ciborgue, a morte de Avram (cientista que criou Yod) e a partida de Malkah (avó de Shira) para uma terra desconhecida.

     A outra narrativa realiza-se em primeira pessoa. Malkah conta como o rabino Judah Loew criou um golem Joseph para defender a cidade medieval de Praga contra o motim cristão. Sua neta Chava, à semelhança de Shira e Malkah, responsabiliza-se pela educação de Joseph. Mas, quando a relação entre cristãos e judeus fica menos tensa e Joseph acha que pode se casar com Chava, Loew decide retorná-lo ao barro e morre em Israrel.

     Encontra-se nas narrativas aproximações entre as funções exercidas pelos ciborgue e golem, pois ambos foram construídos sob o pretexto de defesa, bem como entre o papel do rabino que se repete em Malkah.

     Entre as duas narrativas, interessa, sobretudo, a primeira devido à multiplicidade de representações do corpo e do espaço. Inicialmente, portanto, faz-se necessário trazer pressupostos teóricos sobre os principais conceitos que nortearam a pesquisa.

    Como afirma McDowell (2007), muitas boas introduções aos estudos feministas mostram como, tradicionalmente, o espaço público tem sido associado aos homens e a

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esfera privada, às mulheres. Neste enfoque, porém, o corpo nem sempre é contemplado por levantar questões a respeito das diferenças físicas entre homens e mulheres Em resposta a este desconforto, uma vasta literatura tem surgido e privilegia não somente as diferenças de gênero, mas também a forma como a sociedade o regula e o observa como um todo. O corpo tem sido, então, um objeto de preocupação teórica cujos significado, forma e experiência são associadas às práticas sociais.

     Tema presente em vários trabalhos, o corpo e seus diversos conceitos foram pensados de diferentes maneiras e, historicamente, desconsiderados em função da mente, numa relação oposicional. Contra essas idéias, a teoria feminista coloca o corpo “no centro da ação política e de produção teórica” (idem, ibidem, p. 20). O corpo torna-se então algo positivo, que é reconstruído sócio e culturalmente, exprime marcas, valores e limites sociais, bem como define socialmente o masculino e o feminino.

      O reconhecimento desta multiplicidade de representação de corpos pode, dessa forma, suscitar análises sociais e literárias, cujo afastamento da perspectiva binária implica transformações políticas.

     Para Foucault (1967), o corpo também constitui um lócus físico, concreto, moldável e transformável por técnicas biopolíticas e disciplinares, envolvido com relações de poder as quais funcionam como uma estratégia de apropriação, da mesma forma pela qual os espaços são apropriados pelas sociedades. Desta maneira, os corpos fazem parte de uma rede de lugares e superfícies dispersas no espaço (MITCHELL, s/d).

     Body of Glass revela como a sociedade/cultura (re)constrói os ambientes e o papel da tecnologia na integração dos espaços, em um mundo resultante das atuais práticas econômicas. As relações entre esses espaços e as representações do corpo, como aponta este estudo, subvertem posturas recorrentes do patriarcado.

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     O primeiro espaço descrito, os domos, apresenta-se como a dimensão mais distópica, onde todos os aspectos da vida de seus membros são controlados e devem corresponder a uma identidade essencial. O risco a que estes enclaves expõem seus habitantes é o de estabelecer categorizações que negam a alteridade.

     Esse controle se estende desde a manutenção do ambiente até os corpos. “Todos estavam conscientes de serem observados, de serem julgados” (BG, p. 07). A cultura, a aparência e o espaço são controlados de tal modo que mascaram o fato de viverem estaticamente. Além disso, o contínuo processo de reforma/mudança de corpos/aparência representa, nesta comunidade, uma maneira de manutenção da ordem vigente através do descarte. Bauman (2007) afirma que o consumo e o descarte constituem condição sine qua non para a existência de tal sociedade e constitui “o exato oposto da utopia” (p. 108).

     A política de descarte aplicada ao consumo também é adotada como forma de disciplinar o corpo e suas experiências. Os padrões de imagem oferecidos simulavam uma “igualdade utópica” que buscava, na verdade, o apagamento da alteridade e a apropriação do corpo pela corporação.

     Em contraste ao ambiente dos domos, onde a padronização e a disciplina sugerem dimensões distópicas, a Glop apresenta-se como um espaço oposto ao primeiro. O simples fato de sobreviver, mesmo sem a proteção da radiação que os enclaves possuem já representa uma forma de resistência.

     A principal forma de oposição, entretanto, é o movimento dos Coyotes, liderado por Lazarus, que pretende criar uma rede de comunicação alternativa àquela que, embora pública, é controlada pelas corporações. Essa nova rede deve oferecer uma forma mais democrática de acesso e servir à comunidade, “fora da [rede] deles, paralela a ela” (BG, p. 417).

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     Deste ambiente caótico surgem, assim, dimensões utópicas que se manifestam nas variadas representações do corpo e cultura. A variedade de corpos que circula pela Glop opõe-se ao padrão estabelecido pelo domo da Yakamura-Stichen (Y-S) e revela maior fluidez também no tocante à construção identitária. Essa construção de identidades híbridas subverte estruturas binárias e estabelece laços com o espaço de Tikva, a cidade livre para onde Shira retorna após perder a guarda de Ari.

     Em Tikva, os hibridismos não se referem somente às fusões de elementos orgânicos e inorgânicos, mas principalmente às hibridações identitárias, que influenciam diretamente o entendimento sobre gênero.

     Os corpos presentes nesses dois espaços (Glop e Tikva) resistem à política de disciplina praticada pelas corporações, o que pode ser observado por meio de personagens como Lázaro, que não possui alterações tecnológicas em seu corpo. À semelhança da rede que deseja criar, situa-se fora da rede dos domos, mas, ao mesmo tempo, paralelo a ela.

     Shira, por sua vez, precisou sobreviver à padronização dentro do domo. Para tanto, ela adotou o uso dos uniformes de seu nível tecnológico, mas não passou por procedimentos para alterar seu corpo.

     No caminho inverso, Yod “nasce” como um amontoado de peças inorgânicas que recebe elementos orgânicos. O ciborgue e Nili (habitante da Zona Negra) apresentam os corpos mais alterados da narrativa, mas essas hibridações não se restringem ao real e ao virtual, pois as configurações biológicas que imprimem características aos seres não são suficientes para a determinação de gênero.

     Yod apresenta traços tradicionalmente concebidos como masculinos, femininos e neutros, mas é Malkah quem configura a identidade com maiores cisões e une as duas

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fábulas através da narração da história do golem a Yod. Assim como o ciborgue que ajudou a criar, sua identidade não é inteira e sugere uma alternativa ao espaço no qual os personagens estão inseridos.

     Ao narrar o mito do golem, Malkah ganha relevância não somente para o enredo, mas também para interpretações sociais, uma vez que, como já foi mencionado, é ela quem une as duas narrativas e ocupa, dessa forma, um espaço público de produção histórica, cujo acesso às mulheres é reduzido pelo patriarcado.

     Embora Shira seja a responsável pela socialização de Yod, nota-se que a participação de Malkah na criação do ciborgue é fundamental no processo de assujeitamento. Ela o torna um indivíduo ao estabelecer uma analogia entre ele o golem, um mito que estabelece vínculos históricos e sociais com a sociedade de Tikva.

     Augé (1992) explica que “a representação do indivíduo é, necessariamente, uma representação do vínculo social que lhe é consubstancial” (p. 22). Embora a  estimulado por Malkah, seria apenas o de uma arma com consciência de sua existência.

     Esse espaço com que as personagens estabelecem afinidade pode compor uma das representações do “espaço simbólico” concebido por Augé (idem). O etnólogo explica que esses espaços são universos mais ligados ao reconhecimento do que ao conhecimento. Ao ocupar o espaço público de (re)produtora da história, Malkah tornou esse espaço e a sua linguagem híbridos.

     O espaço mais próximo da utopia também busca sobreviver. A Zona Negra é inicialmente apresentada como uma mancha negra no mapa devido ao holocausto nuclear.

     Aos poucos surgem novas informações sobre o lugar desértico e uma personagem que habita, juntamente com sua comunidade, o lugar.

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     No entanto, tal sociedade não é descrita, mas constitui, como aponta Cavalcanti (2007), uma metáfora sobre gênero e o lugar do feminino na cultura. A ausência/presença desta terra “promove a imbricação perfeita na obra entre sua forma e seu conteúdo ao fazer a ambivalência original do termo cunhado por Thomas More: o bom lugar é o não lugar” (p. 12).

     Portanto, esse espaço e os corpos altamente ampliados que figuram aqui, como o representado por Nili, oferecem possibilidades de leitura de um novo começo a partir da desconstrução de antigos valores. A Zona Negra floresce num espaço destruído pelo holocausto nuclear, onde seus habitantes (uma sociedade formada apenas por mulheres) têm o poder sobre seus corpos e sexualidade.

     À guisa de conclusão, é nesse lugar identificado apenas como uma mancha negra no mapa, que é citado, mas não descrito, que a utopia é reescrita em oposição aos espaços que apresentam traços utópicos. Todos os outros espaços, mesmo que opostos aos domos, constituem, de algum modo, um espaço distópico para as mulheres, uma vez que delineavam os mesmos papéis e lugares ocupados historicamente pelas mulheres.

     Na Zona Negra, entretanto, os redimensionamentos descritos sugerem metáforas para compreensões culturais e de subjetividade a partir da desconstrução da lógica binária, por meio das hibridações entre orgânico e inorgânico.

     Body of Glass oferece possibilidades de reconstrução literária e social da noção de gênero a partir dos redimensionamentos do corpo, ratificando, dessa forma, a concepção de gênero enquanto construto social, priorizando o surgimento de identidades em detrimento de categorias binárias fixas.

     A narrativa permite, ainda, especulações sobre espaços simultâneos, cujas fronteiras entre o que é, tradicionalmente, considerado natural ou artificial se confundem,

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estabelecendo, conseqüentemente, relações com as hibridações do corpo presentes no romance. A variedade espacial descrita permite a desestabilização de formas sociais rígidas, as quais são representadas na obra principalmente pelos espaços e corpos controlados que passam por mudanças excessivas, motivadas pelo consumo e mascaram o congelamento imperante.

     A obra também questiona a fronteira que se estabelece entre o que é humano ou não através da diminuição das diferenças entre ciborgues, humanos e golems, por exemplo, que configuram verdadeiros borrões, ou uma “miopia focalizada” (CAVALCANTI, 1999), que não permitem compreensões calcadas em binarismos e oferecem metáforas do discurso pós-moderno para uma reorganização da sociedade e da cultura.

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Notas

[1] Este estudo foi patrocinado pelo CNPq por meio do PIBIC/UFAL, entre agosto de 2007 e julho de 2009, quando foram realizados os sub-projetos “Representações do corpo em Body of Glass, de Marge Piercy” e “Representações dos corpos espacializados em Body of Glass, de Marge Piercy”, vinculados a um projeto mais amplo denominado “O utopismo literário de autoria feminina em língua inglesa: diálogos férteis com a crítica feminista, a antropologia e a biologia evolutiva”, sob a orientação da profa. dra. Ildney Cavalcanti.
[2] As referências a esta obra, em citações, serão feitas com a abreviação BG seguida pelos número de páginas.
[3] Todas as traduções do inglês são minhas, salvo quando relacionadas nas referências.
[4] Termo pensado por Bhabha (2003), o qual se refere à possibilidade estratégica de unir elementos tradicionalmente considerados incompatíveis, permitindo a interação entre indivíduos e culturas diferentes num espaço de negociação, definido como o próprio lugar da cultura.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


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