domingo, 13 de dezembro de 2009

A sociedade em Orgulho e Preconceito, de Jane Austen


Jane Austen foi uma realista que pintava o quotidiano da sociedade provinciana com fidelidade e precisão. Sua tela era um tanto restrita; aplicando "grandes verdades a pequenas cenas", a Srta. Austen retratava o limitado mundo dos vilarejos do interior da Inglaterra, em pequena escala. Seus personagens ganham vida através do discurso e da ação, a mesas de chá e em lojinhas de aldeias. Eles são desenhados com astúcia e sabedoria, revelando um conhecimento tão profundo sobre a natureza humana que chegam a tomar importância universal. Sem nunca abandonar o espaço de sua própria experiência, ela escreveu suas histórias tranqüilamente entre suas atividades domésticas, delineando a cena local com delicadeza e humor. É difícil dizer que a Srta. Austen pertence a uma época específica o charme de seus romances é atemporal (JAFFE, s/d).
É assim que Jaffe inicia seu guia de estudos a Orgulho e Preconceito (1813). Quando Jane Austen escreveu suas obras, entretanto, o gênero romance já havia alcançado certa maturidade e conseguia unir “o mais alto grau de realismo social e intricação psicológica” (EAGLETON, s/d) de forma equilibrada.
Nesta mesma época, em parte, devido à turbulência nas colônias, surge a necessidade de o Estado inglês consolidar seu poder e o romance teve um papel indireto neste projeto por transmitir valores ingleses e britânicos, quando essas noções eram questionadas em seu próprio território e em revoluções políticas no exterior.
Os romances tratavam, respectivamente, segundo Eagleton, da esfera pública, quando eram escritos por homens, ou do espaço doméstico, quando eram escritos por mulheres, como as obras de Jane Austen. Eagleton parece, então, concordar com Jaffe neste aspecto: o mundo representado nas obras de Austen estava restrito aos vilarejos e mesas de chá ingleses, em pequena escala.
A preocupação com o quotidiano, o comportamento moral e o alcance universal das obras de Jane Austen, reconhecidos por esses teóricos, porém, transformaram-se em solução cultural para problemas políticos até mesmo no século seguinte:
A empobrecida experiência das massas, empobrecimento este criado pelas condições sociais, pode ser suplantada pela literatura: ao invés de trabalhar para mudar tais condições [...], pode-se realizar provisoriamente o desejo de alguém por uma vida melhor oferecendo-lhe Orgulho e Preconceito (EAGLETON, 1995, p. 27).
A concepção tradicional de moral presente nas obras de Austen, que compreende ações e não sentimentos, ultrapassa o ambiente doméstico em que são representados e alcança o espaço público, uma vez que essa concepção envolve também a responsabilidade e o dever social das classes mais altas em relação às mais baixas.
O enredo de Orgulho e Preconceito estrutura-se sobre a concepção kantiana de moral a partir dos conceitos de orgulho e vaidade:
“[...] Vaidade e orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam freqüentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho está mais relacionado com a opinião que temos de nós mesmos, vaidade, ao que gostaríamos que pensassem de nós” (O&P, p. 18).
O tom reconhecível em suas obras, especialmente em Orgulho e Preconceito, traz para a narrativa o “sotaque que pertence à sociedade” (EAGLETON, s/d, p. 106) criticada nos romances de Austen. A ironia que se revela em palavras ou ações de personagens representa a preocupação em “defender um modo tradicional de vida em oposição a intrusos ou subversivos do próprio meio” (idem, p. 107).
As linhas inicias do romance revelam traços da história e do enredo: a preocupação com a realização de um casamento socialmente vantajoso, que aparentemente se relaciona apenas com o espaço doméstico, mas se torna relevante para a concepção de moral tecida na obra.
Embora a ascensão social de muitas mulheres solteiras dependa de um casamento bem-sucedido, o matrimônio não é questionado, mas as razões que levam a ele, como o interesse financeiro. O casamento deve ser realizado, segundo a moral das obras de Austen, observando-se os valores intrínsecos dos seres humanos, cuidando para que o casal tenha os mesmos ideais e nível cultural.
Tudo isso pode ser percebido na relação estabelecida entre o Sr. Darcy e a Srta. Bennet, que inicia baseada naqueles conceitos de orgulho e vaidade: a recusa em dançar com Elizabeth revela a preocupação (vaidade) de um homem de classe superior ter sua imagem associada a de uma jovem em posição social inferior.
Mais tarde, o primeiro pedido de casamento revela essa preocupação e fere o orgulho da jovem, que representa a importância do bom julgamento. “A condenação apressada de Elizabeth Bennet em relação ao Sr. Darcy” (idem, p. 111) revela como o orgulho do próprio bom senso pode levar ao preconceito.
A leitura da carta, mais adiante, mostra a mudança não somente de uma opinião, mas de paradigmas que devem pautados na moral. O perdão para o Sr. Darcy, porém, só ocorre a partir do momento em que ele assume suas responsabilidades decorrentes de sua posição superior na pirâmide social e obriga Wickham a se casar com Lydia após a fuga, em segredo.
Assim, a moral, de acordo com as obras de Austen, realiza-se por meio das ações e se torna relevante devido ao contexto histórico de crise, cujos efeitos aparecem nas narrativas, como Orgulho e Preconceito, em personagens que, à semelhança da malha social da época, fazem parte de “uma trama densa, da qual nada pode ser removido” (FORSTER, 1974, p. 52) e representam forças sociais da época.
Embora os desafios internacionais da Inglaterra, como as guerras napoleônicas, não sejam retratados, a movimentação das tropas inglesas – os regimentos – e a presença de soldados, como Wickham, demonstram a perturbação desse período.
Jaffe afirma que Austen pintava o limitado mundo do interior inglês, mas Eagleton, que a considera restrita à esfera doméstica, reconhece que “é difícil encontrar um tópico mais central para a história da Inglaterra do que isso. [...] A família em seus dias era a sociedade [...]. No século XIII, algumas centenas de famílias possuíam um quarto das terras cultivadas na Inglaterra” (EAGLETON, s/d, p. 115).
A sociedade rural, ainda de acordo com Eagleton, era o ápice de toda a vida rural, que incorporava os melhores valores da sociedade inglesa. A cena local, pois, a que Jaffe se refere é um dos espaços mais importantes para a economia da época e a universalidade a que se refere é reflexo do tratamento estrutural que recebe o elemento moral.
Outro aspecto que merece atenção é o fato de Orgulho e Preconceito desconstruir o conceito de espaços privados e públicos, ao mostrar como o comportamento moral que tem origem no seio familiar pode influenciar a vida social.

REFERÊNCIAS

AUSTEN, J. Pride and Prejudice. London: Penguin, 1994.
EAGELTON, T. The English Novel: an introduction. [s/l]: Blackwell Publishing, s/d.
_____. Literary theory: an introduction. Oxford: Blackwell, 1995.
FORSTER, E.M. Aspectos do romance. Tradução de Maria Helena Martins. Porto Alegre: Editora Globo, 1974.
GOODWIN, S.W. Knowing better: feminism and utopian discourse in Pride and Prejudice, Villette, and “Babette's feats”. In: FALK JONES, L.; GOODWIN, S.W. Feminism, utopia, and narrative. Knoxville: The University of Tennessee Press, 1990.
JAFFE, B.P.; NELSON, R. Romantic prose: Jane Austen from Pride and Prejudice. In: _____. English Literature III: new dimensions in literature. [s/l]: McCormick-Math, s/d.

2 comentários:

  1. Oi Nayara! vc é uma menina porreta! gostaria de te conhecer eu for ao nordeste!

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  2. Só marcar! :D
    Recife ou Maceió... Talvez eu mude ano que vem!

    Doidinha pelas férias pra ler os outros romances da jane Austen!

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