quarta-feira, 29 de abril de 2009

Gênero na literatura infantil

As origens dos contos de fada são bastante controversas. Os textos mais antigos remontam a séculos antes de Cristo e, a partir da Idade Média, foram incorporados por textos de tradição européia.

Inicialmente, os contos de fada não eram direcionados a faixas etárias específicas. Somente no final do século XVII, com o lançamento do livro Contos da minha mãe Gansa, organizado por Charles Perrault, surge a literatura infantil. No início do século XIX, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm lançaram narrativas tradicionais em volumes como Contos de fadas para crianças e adultos.

Os contos de fada constituíram, através dos séculos, representações do pensamento mítico e tiveram grande importância no processo de individuação. A partir de 1835, houve, porém, uma fusão entre esse caráter mítico e a racionalidade, que foi realizada por Andersen. Isso levou ao nascimento da Literatura Infantil Romântica.

De acordo com a perspectiva junguiana, os contos de fada personificam questões ancestrais do pensamento humano, as quais possuem os mesmos princípios de expressão do inconsciente. Isso se deve ao fato de, desprovidos de recursos intelectuais, os homens recorrerem a soluções mágicas para suplantar sua realidade. Assim, o inconsciente coletivo teria uma necessidade secreta de retorno às origens

Tendo sido usados como meios de socialização, esses contos carregam mensagens explícitas ou implícitas e podem conter discriminações voltadas a grupos socialmente desprivilegiados, o que pode levar a situações de dominação, como as desigualdades pertinentes às questões de gênero.

Todos esses temas podem figurar nos textos para crianças através, por exemplo, das representações da família e das caracterizações das personagens. Levando em conta todo este conteúdo, a forma como ele é internalizado pelas crianças e sua difusão social, percebe-se como é importante desvelar as mensagens passadas para o leitor.

O estudo de gênero, nesta literatura, por exemplo, pode contribuir significativamente para o conhecimento dos mecanismos de reprodução de papéis e funções em relação às diferenças biológicas e à construção daquilo que tradicionalmente é definido como masculino ou feminino.

Lima (s/d) explica que as ideologias e a cultura que se fundem ao conto de fadas funcionam como “paradigmas de comportamento eternos, irrefutáveis e imutáveis” que reforçam normas culturais patriarcais. Segundo ela, “o conto de fadas esconde seu poder ideológico de transmitir idealizações românticas do eu feminino e da função da mulher no patriarcado” (esqueci de pôr o número da página e nem me lembro mais qual foi. Desculpa, leitor/a.).

Satirizando as intenções dos mitos, Anne Sexton reescreve os contos, mantendo a fábula original, e atravessa a estrutura tradicional. Em seu volume intitulado Transformations, a escritora, explica Lima, reconta histórias como “Branca de Neve” em forma de poemas e inicia cada um deles com um prólogo, o qual apresenta o tema da história a seguir.

Em “Cinderella”, Lima afirma que Sexton critica, mais fortemente, a idéia do casamento como a fonte da felicidade eterna. Outros temas, entretanto, podem ser percebidos. Cinderela, assim como diversos contos, possui várias versões, mas, neste trabalho, serão comparados trechos das versões de Perrault e Sexton.

Na primeira, observa-se como a figura feminina reafirma estereótipos e valores a que as mulheres deveriam se submeter. A versão de Perrault ratifica a idéia de que somente a mulher submissa pode alcançar a felicidade, a qual resultaria do casamento.

Once there was a gentleman who married, for his second wife, the proudest and most haughty woman that was ever seen. She had, by a former husband, two daughters of her own, who were, indeed, exactly like her in all things. He had likewise, by another wife, a young daughter, but of unparalleled goodness and sweetness of temper, which she took from her mother, who was the best creature in the world (PERRAULT, s/d, também esqueci de anotar a página).

Neste trecho, evidencia-se a classe social a que pertencem os personagens. O homem em questão é o pai de Cinderela. Ele é um gentleman, que é trocado por figuras como o leiteiro e o encanador no prólogo de Sexton. Embora essas trocas possuam efeito cômico, elas denunciam que existem espaços reservados para determinadas classes sociais e apagam outros.

É interessante notar como, nas primeiras linhas, o caráter das personagens femininas é desenhado e, mais tarde, associado à aparência. Quanto ao pai de Cinderela, basta dizer que se trata de um cavalheiro, o qual, na versão de Sexton, é descrito como um homem rico que traz presentes caros para as mulheres da casa.

Nos contos de fada, e, em Cinderela principalmente, é notável a ênfase nas relações amorosas como a única possibilidade de realização. Por ser bela e bondosa, Cinderela merecia ser feliz, mas não conseguiria seu prêmio se estivesse coberta de cinzas. Então, com a ajuda da fada madrinha (o desejo inconsciente pelo sobrenatural), ela consegue ser cobiçada pelo príncipe (o melhor pretendente). “he was very much in love with the beautiful person who owned the glass slipper” (idem).

O medo da decadência, citado por Lima, também aparece no conto de Perrault e se traduz em trechos em que as irmãs de Cinderela fazem sacrifícios para agradar ao espelho (a voz do outro, para Lima). Na versão de Sexton, os sacrifícios revelam-se sob a forma de mutilações para conseguir provar ao príncipe que são a verdadeira dona do sapatinho.

They were so excited that they hadn't eaten a thing for almost two days. Then they broke more than a dozen laces trying to have themselves laced up tightly enough to give them a fine slender shape. They were continually in front of their looking glass. (idem)

Cinderela vive feliz para sempre com seu príncipe. Esta idéia é ironizada por Sexton, que representa a felicidade eterna como um casal de bonecos sempre sorrindo numa vitrine de museu. A investigação dessas narrativas chama atenção para a necessidade de mudança não somente de interpretação literária, mas, principalmente, para a transformação social, pois os contos de fadas possuem imagens que já fazem parte da cultura e criam conflitos como a aceitação daquilo que se manifesta de outra maneira.

REFERÊNCIAS
AMARAL, Celena Izabel do. Literatura infantil e escola. In: _____. Representações do femino e do masculino nas estórias infantis. 2004. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004. Disponível em: http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/1884/2396/1/Dissertação%20Celena.pdf
LIMA, Ana Cecília Acioli. Anne Sexton e suas transformações: a importância da crítica feminista e a poesia revisionista.
PERRAULT, Charles. Cinderella, or The little glass slipper.
SEXTON, Anne. Cinderella.
TORRES, Maximiliano. A desconstrução do feminino em Grimm e Marina Colasanti: A filha do moleiro, Rumpelstisequim e A moça tecelã. Disponível em:
http://sitemason.vanderbilt.edu/files/gM2yPK/Torres%20Maximiliano.pdf

Um comentário:

  1. Fico devendo o resto das informações bibliográficas, mas vou pegar as informações na Biblioteca Central, assim que tiver tempo, e posto as alterações no corpo do texto mesmo. :D

    ResponderExcluir